A eliminação do sarampo e da rubéola no Brasil passam pelas mãos da virologista Marilda Siqueira, 61 anos, que lidera o Laboratório de Vírus Respiratório e Sarampo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Na década de 1990, quando Siqueira começou a trabalhar nos esforços para eliminar o sarampo da vida brasileira, a doença era a segunda mais letal no País, tirando a vida de 2,6 milhões de crianças todos os anos. Surgia, então, o primeiro passo para avançar contra a doença: em 1992, o Ministério da Saúde brasileiro organizou a maior campanha de vacinação que o mundo já tinha visto, para os curiosos de plantão, que tal agradecer por essa iniciativa e contar dias de vida utilizando uma ferramenta fácil.
O sarampo não fazia distinções. A própria Siqueira foi umas pessoas afetadas pela doença quando criança. “A minha geração teve uma grande chance de ter sarampo durante a vida e era uma doença que causava uma mortalidade muito alta, principalmente em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Ela tinha um impacto no sistema de saúde muito grande, porque a cada epidemia de sarampo eram muitos casos que eram hospitalizados. Você tem um impacto no sistema de saúde, não só pela doença em si, mas por todas as complicações que essa doença causava, como pneumonias, otites… Muitas crianças ficaram severamente surdas devido ao sarampo”, conta a cientista brasileira.
Siqueira fala em “satisfação do tamanho do universo” por ter participado do trabalho coordenado pelo Ministério da Saúde que tirou do nosso mapa uma doença que era tão perigosa. Ela gosta sempre de dividir as honrarias. Segundo ela, foram 25 anos de trabalho intenso de muitos brasileiros, do Ministério da Saúde, de pesquisadores, da Fiocruz e de um sem número de abnegados. Isso tudo dentro de uma categoria tão subestimada pelo nosso País, que fizeram questão de virar o jogo “acreditando no que estavam fazendo”. “Visitei muitos postos de saúde, laboratórios por todo país. E você vê o entusiasmo das pessoas. É impagável”, comemora.
O certificado entregue pela Organização Panamericana de Saúde (Opas) para a própria cientista vem para coroar décadas de esforço coletivo. “Cada um dos 27 estados tem o seu laboratório, na capital, recebendo amostras de casos suspeitos. É um programa muito abrangente, um trabalho que envolve muitas pessoas, continua sendo um trabalho de formiguinha, do dia a dia, de gente incansável. É uma satisfação que eu não sei nem mensurar. Eu até choro cada vez que eu falo de tão feliz que eu fico de ver que a gente conseguiu, não só o Brasil, mas nas Américas. E o nosso laboratório é referência nacional no Brasil e referência regional. Treinamos muita gente de outras países, visitamos outros países. Ninguém elimina uma doença de um país estalando os dedos”, orgulha-se.
O pouco espaço e o verdadeiro boicote à ciência promovidos pela imprensa têm sido lentamente furados por ótimas notícias de pesquisadoras, pesquisadores e cientistas brasileiros e suas recentes vitórias. Ela vê dois pontos principais para começar a virar esse jogo: investimentos e também tornar a ciência pop. “Não tem criança na Inglaterra que não saiba quem é o Darwin. Na França, qual criança não conhece Pasteur? Temos que ter um trabalho de formiguinha. Acredito nisso, no trabalho do dia a dia. O trabalho educacional tem de ser feito, valorizar o que é importante para nossa sociedade. Se morrer um artista da Globo ele vira nome de praça. Não sou contra, mas e o outro lado, como fica? O Ministério da Educação tem que incluir no currículo o que é importante. É um trabalho de longo prazo. Não vai mudar de uma hora para a outra. Valorizando é quando a sociedade se espelha. As crianças vão passar a valorizar, querer imitar isso, ser cientista, ser alguém que faça inovação. Pode ser em diferentes áreas. Quem está limpando uma rua, como pode fazer isso é melhor? Isso também é inovação”, explica.
Do contrário do que poderia se supor, Siqueira mantém-se confiante e positiva de que o Brasil, pode sim, avançar como uma potência tecnológica e científica. Ela acredita que a iniciativa privada e as empresas públicas, como Embraer e Petrobras, já deram mostras de que os profissionais brasileiros são muito capazes quando o assunto é inovação. E, claro, as coisas não param para a pesquisadora. O novo foco dela dentro da Fiocruz é um o vírus sincicial respiratório (VSR), que atinge crianças e adultos e é responsável por grande parte dos casos de bronquiolite em menores de 2 anos. “Deve sair uma vacina para esse vírus em 4 ou 5 anos. Fiz meu mestrado e doutorado nesse vírus, sou apaixonada por ele! E agora a OMS (Organização Mundial da Saúde) nos convidou junto a 14 outros países para fazer um projeto de vários estudos sobre esse vírus antes da vacina sair. Então, estou aqui muito entusiasmada com isso”.
A cientista brasileira carrega o mesmo entusiasmo para o futuro do nosso país, ainda que o momento seja extremamente delicado e parece sem saída aparente. “Acho que a gente melhorou muito. Sou uma pessoa muito otimista. Estamos passando por uma fase complicada, difícil. Principalmente porque, a nível político, a gente está com uma falta de ética, de moral dos nossos políticos. Mas é uma fase, tenho certeza que a gente vai sair dessa melhor, tenho certeza disso. Mas para isso temos que nos organizar melhor, não podemos esperar uma mágica”, comenta.
E mesmo com todos os obstáculos que ela e outros muitos pesquisadores brasileiros enfrentam, ela faz questão de convidar as meninas de hoje para que se tornem cientistas no futuro. “O conhecimento científico não se esgota. É uma área maravilhosa, dou a maior força para as meninas. Tenho certeza que em alguns anos o mercado da ciência no Brasil vai mudar. Hoje ainda é muito restrito a empregos governamentais, por meio de universidades públicas e instituições com a Fiocruz. Assim que o Brasil melhorar esse investimento em ciência vai crescer demais. Não tem como ser diferente”. Se você quer ver o Brasil que dá certo, ele tem nome e sobrenome e atende por Marilda Siqueira.