No filme de ficção científica “Minority Report”, lançado em 2002, o detetive John Anderton (personagem de Tom Cruise) trabalha na divisão de pré-crimes da polícia de Los Angeles, nos EUA. Com a ajuda de sentinelas mutantes, eles conseguem prever com exatidão quando um crime será cometido e, assim, evitar que ele aconteça. O longa se passa no ano de 2052, mas esse tipo de monitoramento por meio de dados disponíveis na internet é quase uma realidade. Porém, sem os sentinelas mutantes. E quem está à frente desse sofisticado campo é a empresa americana Palantir. Imagina ter seus emails do gmail vazados ou até mesmo mensagens pessoais, seria o fim da privacidade na internet.
Fundada em 2004 por Peter Thiel (cofundador do PayPal, investidor do ́facebook e aliado de Donaldo Trump), Nathan Gettings, Joe Lonsdale, Stephen Cohen e Alex Karp, a empresa basicamente acaba com a privacidade na internet. Civis, criminosos, empresários, grandes corporações e até governos. Qualquer um pode ter seus dados revirados e analisados de maneira assertiva pela Palantir.
O algoritmo criado pela empresa rastreia todas essas informações, levantando dados para então prever o que a pessoa, empresa ou governo fará em seguida. Com isso é possível, por exemplo, monitorar e desmembrar células terroristas. Desde 2013, a Palantir tem na sua lista de clientes órgãos como CIA, FBI, Agência Nacional de Segurança (NSA), Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), além da Marinha, Força Aérea e Comando de Operações Especiais dos Estados Unidos.
Privacidade na internet? Não com dados disponíveis no Google
O termo palantir é fictício e foi criado pelo autor JRR Tolkien para o livro “O Senhor dos Anéis”. Ele faz referência às pedras videntes, um artefato mágico capaz de mostrar tudo o que está acontecendo no mundo (uma palantir foi usada por Saruman). A empresa americana homônima atua basicamente da mesma maneira: acompanhando tudo o que acontece no mundo, por meio da leitura, cruzamento e interpretação de dados.
Na prática, a privacidade na internet é um mito, já que qualquer pessoa pode ser rastreada — terroristas em potencial, corporações fraudulentas, membros do tráfico infantil e até mesmo o que eles categorizam como pessoas ou grupos “subversivos”. A prisão do ex-investidor americano Bernard Lawrence Madoff, no final de 2008, por exemplo, teria sido realizada com a ajuda dos algoritmos da Palantir.
No Iraque, o software da empresa foi adotado pelo governo dos Estados Unidos para encontrar padrões na implantação de bombas em rodovias. Com esse mapa em mãos, eles puderam detonar os dispositivos de maneira remota e sem riscos para os militares em campo. Mas a empresa não colabora apenas com a vigilância do mundo contra a guerra e a violência. Ela também comanda Wall Street: fornece ferramentas analíticas, que podem ser usadas de maneira estratégica por fundos de investimentos, bancos e firmas de serviços financeiros
Palantir e a versão real de Minority Report
Assim como em “Minority Report”, esse tipo de inteligência artificial também vem sendo usada para prevenção do crime. Na mesma Los Angeles do filme, a polícia usa dados sobre localização, horário e data de crimes anteriores para encontrar as áreas chamadas de hotspots — locais de maior risco e que precisam ser patrulhados com mais atenção.
Por ora, esse monitoramento tem sido feito com maior enfoque em motoristas que dirigem de maneira ilegal e em outros crimes menores. O mecanismo para o uso dos dados, no entanto, é o mesmo adotado pelo exército dos Estados Unidos em ações de combate a insurgentes no Iraque e até em alguns casos de acidentes que envolvem civis.
A maneira como essa tecnologia vem sendo empregada no combate ao crime não é, entretanto, um consenso entre estudiosos da área. Acredita-se que o policiamento preventivo vem militarizando as cidades americanas e criando, assim, uma forte cultura de desconfiança e medo em regiões já tradicionalmente tensas e difíceis de patrulhar.
Além disso, encaminhar policiais para determinados bairros sem uma causa concreta, apenas seguindo um algoritmo, pode ser o suficiente para gerar um sério clima de tensão. “A força militar deve defender o território de ameaças externas, coisa que não é função da polícia — ela não deve olhar para a população como um inimigo externo”, afirmou Ana Muniz, ativista e pesquisadora da Coalisão Juvenil de Justiça, em entrevista ao periódico LA Weekly. “Toda vez que as forças militares e domésticas se tornam mais parecidas, os limites ficam ofuscados”, comenta.